sábado, 18 de maio de 2013

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA

Foram anos amargos para os americanos, desolados pela depressão e o pós-guerra 

Conhecido como um otimista por excelência e humanista de carteirinha, Frank Capra encontrava-se engajado na recuperação do moral da América, abalada pela crise de 1929 e a Segunda Grande Guerra. Esse filme, soberbo, reflete a manifestação fundamental de todo seu pensamento e que permeia todo o seu trabalho. Aqui no exemplo do homem comum e honrado e sua crença no altruísmo. 

A era dos arrasa quarteirões
A vantagem de se ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez. - Nietzsche. 


Imagem clássica, de um personagem complexo.
Sede blogueiro! Vá escrever sobre o que você gosta, meu filho!  Sussurrou-me paternalmente, certa vez ao pé do ouvido, meu inseparável Anjo da Guarda. Sim, meus caros, eu e George Bailey acreditamos piamente na existência desses seres angelicais. Obediente e atrevido, aqui encontro-me a escrever para aqueles que se dispõem a perder tempo. Para essa galera, desta vez selecionei A Felicidade Não Se Compra, um clássico de 1946, produzido, portanto, em plena 'Era de Ouro do Cinema Americano'. Era que, segundo estudiosos, durou entre as décadas de 20 e 60, e foi a de maior gloria e glamour vivida por Hollywood. Porém, seu maior legado não foi somente o glamour e os escândalos, mas um acervo de valor inestimável de filmes no qual predominou o binômio quantidade & qualidade. Foram produzidas obras-primas do quilate de Rastros de Ódio, de 1956. Nela John Wayne conseguiu, sob a batuta do grande John Ford, seu  maior desempenho nas telas. O crítico Roger Ebert aponta o personagem como ‘um dos mais convincentes que Ford e Wayne já criaram". Hoje, próximo de completar seis décadas, acredito que tudo já foi dito, escrito e estudado sobre esse filme grandioso. O racismo, as sutilezas do que não é explicitado, a jornada obsessiva de Ethan Edwards, o personagem de Wayne, e tudo o mais foram dissecados à exaustão. 

Wayne expõe um herói (???), veterano da Guerra Civil, racista e dominado pelo ódio, que parte em busca de vingança ao mesmo tempo que tenta resgatar com vida sua sobrinha, raptada e a única sobrevivente do massacre. Sua família e a mulher que sempre amou, mas que estava casada com outro, foram exterminadas de forma cruel pelos índios. Ethan é um personagem complexo, ambíguo e cheio de falhas de caráter. Na época de sua filmagem não havia o ‘politicamente correto, portanto, sim, os índios ainda eram mostrados como os vilões. É considerada uma obra-prima e um dos maiores e mais influentes filmes já realizados. Em 2007, Rastros de Ódio foi colocado em 12º lugar na lista do American Film Institute (AFI) dos 100 maiores filmes americanos de todos os tempos, com base em uma pesquisa internacional de críticos. No ano seguinte foi nomeado pelo AFI como o maior western americano já feito. E não ficou só nisso. A Entertainment Weekly também o nomeou como o melhor western. A revista Sight & Sound do British Film Institute classificou-o como o sétimo melhor filme de todos os tempos, com base em outra pesquisa, essa internacional de críticos cinematográficos em 2012, portanto bem recente. Os franceses também, em 2008, através da conceituada revista Cahiers du Cinéma classificou-o em 10° lugar em sua lista dos 100 melhores filmes já feitos. Em 1989, o filme já havia sido considerado "culturalmente, historicamente, ou esteticamente significativo" pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e selecionado para preservação em seu National Film Registry; Foi na primeira reunião sobre filmes selecionados para registro. 

Infelizmente, ou felizmente, dependendo do ponto de vista, a profícua era dourada começou a perder seu prestígio na década 60. E uma dos principais motivos foi quando os executivos de Hollywood se deram conta que seus estúdios estavam amargando sérios prejuízos financeiros, após anos apostando em filmes épicos cujas receitas muitas vezes não cobriam nem mesmo os custos de produção. Um bom exemplo é Cleópatra (1963), considerado o segundo filme mais caro de todos os tempos. Planejado para custar 2 milhões de dólares em 1962, sua produção pulou para 44 milhões de dólares, um valor estratosférico para época. Segundo uma atualização realizada em 2005, esse valor reajustado 286,4 milhões de dólares. Seu fracasso nas bilheterias quase levou à falência a Fox, sua produtora e financiadora. Após desistir de continuar produzindo épicos, Hollywood conseguiu na década seguinte reencontrar o caminho da glória com uma nova maneira de fazer filmes. Começava assim o que ficaria conhecido como a ‘Era dos Blockbusters’. Curiosamente, essa palavra teve origem no início dos anos 40 do século XX, portanto em plena Era de Ouro, e serviu para descrever uma bomba que lançada a partir de aviões, capaz de destruir um quarteirão inteiro. Isto porque em inglês "block" significa quarteirão e o verbo "bust" significa quebrar. O termo começou a ser usado graças a nova uma safra de filmes que passou a superar facilmente a casa dos 100 milhões de dólares nas bilheterias. E foram eles que colocaram a ‘pá de cal’ numa era que já dava um natural sinal de declínio, apesar de profícua e muito brilhantismo. 


Decretando o fim de uma era.
A nova onda teve início com a estreia simultânea em todo o território americano do filme O Poderoso Chefão (1972) − de Francis Ford Coppola. O estúdio Paramount, promovendo uma ousada estratégia de lançamento, substituiu a tradicional que lançava das grandes cidades para as pequenas, gradualmente, por um lançamento maciço e ancorado por uma grande divulgação. Eram os primeiros passos em direção ao que ficaria conhecido pouco depois como ‘blockbuster’. O termo seria empregado a partir de Tubarão (1975), de Steven Spielberg, e se consolidaria definitivamente com Star Wars, o primeiro filme da trilogia  de George Lucas, lançado apenas dois anos após o  de Spielberg, que, coincidência, nasceu em 1946, mesmo ano de lançamento de A Felicidade Não Se Compra. Ambos, o de Spielberg e a trilogia de Lucas, tiveram um estrondoso sucesso. O filme de Spielberg foi vítima de uma produção muito complicada, sofrendo muitos atrasos e enfrentando problemas com o tubarão mecânico, o que levou muitas cenas a apenas simular sua presença. Tudo isso ajudou a estourar o orçamento inicialmente previsto em US$4 milhões, e que acabou parando nos 9 milhões. Sua trilha sonora ficou a cargo do grande compositor John Williams, que criou um tema ameaçador e minimalista para indicar a presença do predador. O tema se transformou em uma marca registrada e um sucesso estrondoso. Steven Spielberg como outros realizadores chegaram a comparar essa abordagem sugestiva com os suspenses clássicos do insuperável mestre Alfred Hitchcock. A Universal Pictures não poupou em sua divulgação e o filme transformou-se em um grande sucesso de crítica e bilheteria, conseguindo o que foi à época o maior faturamento da história com pouco mais de 470 milhões de dólares. A eucessos seguidos por musicais como Os Embalos de Sábado à Noite (1977), com US$ 237 milhões e Grease - Nos Tempos da Brilhantina (1978), com US$ 394 milhões. Ambos estrelados por um jovem e carismático John T,ravolta. Esses, desde 1980, seguiram-se inúmeros outros, salvo alguns contratempos, que consolidaram de vez os ‘blockbusters’, como Jurassic Park (1993), o maior sucesso comercial de Spielberg com US$ 1.092.2 milhões. Poderia citar muitos outros, mas, por motivos óbvios, cometeria injustiça se não mencionasse pelo menos mais um: Superman - O Filme, de 1978, outra importante produção que, de certa forma, sofreu grande influência da trilogia de George Lucas. Foi a produção até então mais cara do cinema, com um custo US$55 milhões, e a primeira de super-heróis que foi levada a sério pelo público e principalmente pela crítica. Seus realizadores conseguiram um retorno de US$300 milhões nas bilheterias, e seus aclamados efeitos especiais, notadamente as clássicas sequências de voo do saudoso Christopher Reeve. A sucesso da produção possibilitou três continuações, vários prêmios e o reconhecimento de todos. Tornou-se a obra de referência dos filmes de super-heróis e que os popularizou. 

O cinema é uma arte, que desde sua criação está em constante evolução. Não há como detê-la. Seu desenvolvimento pode ser constatado em todas suas áreas, do roteiro, onde basicamente tudo começa, à pós-produção. Assim, ao longo de sua história sempre apareceu projetos ousados, que contribuíram com inovações que mudaram, ou serviram de inspiração para mudança. Um desses projetos foi Cidadão Kane (1941), do genial Orson Welles. Segundo a opinião do professor e estudioso Paulo Pereira, o mais importante no filme de Orson Welles não foram as técnicas inventadas para fazê-lo, mas sim a junção de tudo o que já havia sido feito antes no cinema em uma única obra. Ele diz que, o filme usou todos os recursos técnicos e estéticos que existiam até então, para renovar a arte cinematográfica e romper com o estilo tradicional e já consagrado que estava sendo feito desde o início do cinema. Além disso, Pereira destaca que Cidadão Kane também flerta com todos os gêneros cinematográficos da época, a comédia, o melodrama, o documentário, o suspense. O artista não é apenas aquele que inventa algo novo, o artista também é aquele que, como Welles, consegue captar o espírito de seu tempo e transmitir para as outras pessoas através de sua arte. Em Cidadão Kane o diretor utilizou tudo que sabia e tinha visto em cinema (e também em rádio) para criar um filme revolucionário em todos os aspectos e que mudou para sempre a forma como o cinema é feito e como as pessoas assistem a um filme. E é por isso, que a película é considerada por muitos o melhor e mais importante filme de toda a história do cinema. Ele consta em todas as listas sérias de melhores filmes, e quase sempre entre as primeiras cinco colocações, quando não na primeira. É citado frequentemente como padrão de excelência. É mesmo um filme que faz jus a toda essa badalação. Wells tinha pouco mais de 20 anos quando dirigiu, produziu e roteirizou o filme que se tornou uma das maiores obras-primas da história do cinema. Welles deu uma aula do que existe de melhor em cinema contemporâneo. Normalmente, um filme reflete a época que foi realizado. Imagine o impacto que causou na década de 40, cheia de falso moralismo e regas de conduta, ao denunciar um personagem poderoso, sujo, egoísta, egocêntrico. Causou revolta a muitos, provocando o abandono das salas no meio da exibição, além de ter ido muito mal nas críticas. 

A partir dos primeiros arrasa quarteirões’ as arrecadações estratosféricas passaram ser ‘a menina dos olhos’ dos executivos, ficando cada vez mais frequentes e o principal mandatário das ações e objetivo dos estúdios. Os mesmos que, outrora, valiam-se do talento de muitos realizadores, alguns dos quais fugidos do nazismo e fãs do chamado ‘cinema de arte". É importante, oportunamente, conhecer mais a fundo esse momento, pois permitirá melhor entender o cinema produzido nos dias atuais, no qual prevalece o modelo ‘indústria’. Um sistema que opôs-se dramaticamente ao antigo modelo de produzir filmes, aquele sem os milhões de Dólares, de traços mais autorais e comandado pelo talento. E não aquele realizado pelos executivos financistas, que tiraram sua independência. Não que o novo modelo seja de todo ruim, é bom que fique claro. Felizmente, essa nova forma de se produzir filmes não conseguiu eliminar totalmente as produções independentes. A Bruxa de Blair, de 1999, é um bom exemplo. Atualmente a coisa descambou para as chamadas ‘franquias’, iniciadas por sucessos como as dos heróis James Bond e Indiana Jones. Mas não se iludam, se enganam aqueles que pensam que os arrasa-quarteirões são feitos apenas de fantásticos efeitos especiais. Em sua maioria há propaganda ianque e em alguns é possível encontrar até mensagens políticas subliminares nas entrelinhas de seus roteiros, e em alguns poucos alguma qualidade. 

No meio dessa revolução surgiram cineastas como Martin Scorsese, Robert Altman, Francis Ford Coppola, e filmes como Chinatown (1974) e Taxi Driver (1976), que tiveram nos bastidores brigas, acessos de loucura, prisões e até uso de drogas. Segundo Dennis Hopper ele foi o responsável pelo problema da cocaína nos Estados Unidos. Não havia essa droga nas ruas antes do cult Sem Destino (1969). Depois dele, espalhou-se por toda parte, contou Hoper. Com a mesma franqueza outra centena de cineastas, produtores, roteiristas e atores contaram como trabalhavam e o quanto brigavam. Tudo está no livro ‘Como a Geração Sexo-Drogas-E-Rock' n' Roll Salvou Hollywood’, de Peter Biskind. Nele o leitor poderá conhecer, por exemplo, episódios como a vez que Scorsese foi à cerimônia do Oscar escoltado pelo FBI, e quando Taxi Driver foi indicado a melhor filme. Biskind coloca Sem Destino como o marco do início dessa que alguns chamam de "a última Era de Ouro de Hollywood" e revela muitos outros lances de bastidores. É pegar para ler. 

Mas fato é que, se a geração sexo, drogas, rock' n' roll e os avanços tecnológicos conseguiram salvar Hollywood, a promessa de um mundo melhor continuou tão distante quanto falsa. Nem o aceno da possibilidade de um final da Guerra Fria, nem o psicodelismo e o extravagante visual da moda, com suas calças ‘boca de sino’ e cores exuberantes, ajudaram a amenizar os problemas da década de 1970. Para encerrar, o que motiva o público devoto ao ‘blockbuster’ se dirigir a uma sala de cinema são filmes que foram produzidos especialmente para eles, ou seja, um tipo de cinema que, digamos, possui mais ação e menos elaboração. Infelizmente, existe uma diferença abissal entre os dois tipos O público mais exigente, que gosta de um filme mais elaborado, costuma olhar com desconfiança para os arrasa quarteirão. 

Na época de seu lançamento, o cinema tido como clássico já começava a dar sinais que passava por uma grande transição, e a massificação da TV nos anos 1950 teve grande influência no processo. Outro impacto, foi o provocado pela nova onda cultural dos anos 1960, que trouxe as mudanças de estilo. Acima de tudo, aqueles foram anos vivenciados por uma explosão de juventude em todos os aspectos. Também de energia, excitação, entusiasmo, música e emoção intensa jamais vista. Essa mistura tomou conta de toda aquela geração. Houve influência de movimentos culturais importantes como o rock de garagem, à margem dos grandes astros do rock, que resultaria na 'surf music' e nos movimentos de cinema que ficaram conhecidos por 'cinema de vanguarda. Foram os anos dos Beatles e Rolling Stones. Outro movimento importante foi na literatura, capitaneado pelo livro 'On the Road', de Jack Kerouac, lançado em 1957. Kerouac fazia parte da chamada geração 'beat', que começava a se opor à sociedade de consumo vigente. Os ventos das transformações sopravam por todos os lados, e atingiram também a moda que sofreu uma mudança radical. Esse caldeirão de manifestações, posturas estéticas e políticas encontrou na indústria cinematográfica um fecundo espaço.

O menestrel do otimismo
Nunca conheci um pessimista que fosse útil ao mundo. - João XXIII 


Frank Capra na sala de edição.
Fotografado por Rex Hardy, 1946.
Os cineastas da chamada ‘Era de Ouro’, período que os estudiosos afirmam compreender entre 1920 e 1950, se caracterizaram sobretudo por uma formação nas chamadas ciências humanistas, e contavam com uma boa cultura literária, o que significa dizer que, além de possuir estilo, possuíam o talento para dirigir, fator primordial em qualquer atividade. Muitos sabiam também escrever ótimos roteiros, caso de cineastas da envergadura de um Billy Wilder, John Ford e o próprio Frank Capra. Mas aquela era não foi pródiga apenas em cineastas, o foi também em Roteiristas, Produtores, Diretores de Edição, Arte, Montagem, Fotografia e por aí vai. Havia talentos saindo pelo ladrão. Porém. o avanço da tecnologia trouxe a escravidão da cultura audiovisual e os cineastas das gerações mais recentes foram se formando fortemente no uso desses novos recursos ditos ‘digitais’. A contemplação das imagens em movimento passou a ser fortemente influenciada pela parafernália tecnológica, que possibilitou criar ‘efeitos especiais’ fantásticos e nunca sonhados, que passaram, então, a dominar as telas. Usar tais recursos exige menos cultura e intelecto, em prejuízo de roteiros bem elaborados, uma fotografia sofisticada e diálogos inteligentes. Assim tais cineastas, com poucas exceções, tornaram-se 'especialistas' e dependentes, não estando muito preocupados com qualidade, já que dispõem de um arsenal tecnológico poderoso para compensar uma deficiência cultural. 

Frank Capra está entre os que se distinguiram por uma cultura generalista e ampla visão de mundo, por assim dizer. Seus filmes tinham que ser, obrigatoriamente, bem elaborados, pois não contavam com a tecnologia para mascarar a mediocridade. Mestre em contar histórias edificantes, do tipo que arranca lágrimas, Capra está, de forma definitiva e merecida, marcado na história do cinema como um de seus mais competentes influentes profissionais, com uma obra e legado de grande relevância. Foi responsável por sucessos como Aconteceu Naquela Noite (1934), o primeiro a vencer, em 1935, as cinco categorias mais nobres: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Roteiro. Até hoje, apenas dois outros filmes repetiram a façanha: Um Estranho no Ninho (1975) e O Silêncio dos Inocentes (1991); O Galante Mr. Deeds (1936); Do Mundo Nada Se Leva (1938), recebeu dois prêmios da Academia após seis indicações: Melhor Filme e Melhor Diretor - o terceiro Oscar para Capra em apenas cinco anos; A Mulher Faz o Homem (1939), entre outros. 

Em The Name Above the Title, Frank Capra nos conta o início do seu ‘wonderful film’, após seu regresso da guerra a Hollywood, necessitando readaptar-se a uma Meca do Cinema e sociedade que começava a mudar muito no pós-guerra. Tudo começou com um conto do escritor e historiador americano Philip Van Doren Stern. lançado por ele de maneira independente. Stern foi movido a escrevê-lo depois de ter um sonho baseado em A Christmas Carol, de Charles Dickens. Ele o chamou de The Greatest Gift. Stern levou quatro anos para escrever 4.000 palavras e, quando finalmente terminou, em 1943, lutou sem sucesso para encontrar uma editora. Em vez disso, imprimiu 200 cópias e as enviou para os amigos como um cartão de Natal em dezembro. Um deles caiu nas mãos de David Hempstead um produtor de cinema, que mostrou a Cary Grant. Grant logo imaginou-se no papel principal, e a produtora de Hempstead comprou os direitos do filme em abril de 1944. Mas esse sucesso da noite para o dia não duraria: The Greatest Gift provou ser muito problemático para se transformar em um roteiro de sucesso, apesar dos esforços de vários roteiristas. Passado um tempo, num certo dia de 1945, Charles Koerner chega ao recém inaugurado Liberty Films − que Capra fundara com dois outros gigantes da época: William Wyler e George Stevens, para continuar a manter ‘o nome acima do título’ − com as meia dúzia de páginas datilografadas, contendo o roteiro que Dalton Trumbo extraíra do conto de Stern. Rápido e rasteiro, Capra abocanhou os direitos por US$10 mil e operou sua mágica: mudando seu nome para It´s a Wonderful Life.  

Sua inspiradora mensagem, que mistura realidade e fantasia, narra a história de um desesperado homem bom, à beira da ruína, e seu encontro com um anjo de segunda categoria e pouco inteligente. Esse, para ganhar as tão sonhadas asas, esperadas à mais de 200 anos, foi incumbido pelo Altíssimo com a difícil missão de desencorajá-lo a desistir de cometer suicídio. Após ler o conto Capra exclamou: “Era a história que procurava por toda a minha vida. Uma cidadezinha. Um homem. Um homem bom, ambicioso. Mas tão preocupado em ajudar os outros, que perdia as oportunidades na vida. Um dia, perdeu a coragem. Desejava nunca ter nascido. E esse desejo o satisfazia. Meu Deus, que história! O gênero de história que fará as pessoas exclamarem quando eu for velho e estiver para morrer: foi ele quem fez A Felicidade Não Se Compra”. 

Frank Capra está entre os que se distinguiram por uma cultura generalista e ampla visão de mundo, por assim dizer. Seus filmes tinham que ser, obrigatoriamente, bem elaborados, pois não contavam com a tecnologia para mascarar a mediocridade. Mestre em contar histórias edificantes, do tipo que arranca lágrimas, Capra está, de forma definitiva e merecida, marcado na história do cinema como um de seus mais competentes influentes profissionais, com uma obra e legado de grande relevância. Foi responsável por sucessos como Aconteceu Naquela Noite (1934), o primeiro a vencer, em 1935, as cinco categorias mais nobres: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Roteiro. Até hoje, apenas dois outros filmes repetiram a façanha: Um Estranho no Ninho (1975) e O Silêncio dos Inocentes (1991); O Galante Mr. Deeds (1936); Do Mundo Nada Se Leva (1938), recebeu dois prêmios da Academia após seis indicações: Melhor Filme e Melhor Diretor - o terceiro Oscar para Capra em apenas cinco anos; A Mulher Faz o Homem (1939), entre outros. 

Em The Name Above the Title, Frank Capra nos conta o início do seu ‘wonderful film’, após seu regresso da guerra a Hollywood, necessitando readaptar-se a uma Meca do Cinema e sociedade que começava a mudar muito no pós-guerra. Tudo começou com um conto do escritor e historiador americano Philip Van Doren Stern. lançado por ele de maneira independente. Stern foi movido a escrevê-lo depois de ter um sonho baseado em A Christmas Carol, de Charles Dickens. Ele o chamou de The Greatest Gift. Stern levou quatro anos para escrever 4.000 palavras e, quando finalmente terminou, em 1943, lutou sem sucesso para encontrar uma editora. Em vez disso, imprimiu 200 cópias e as enviou para os amigos como um cartão de Natal em dezembro. Um deles caiu nas mãos de David Hempstead um produtor de cinema, que mostrou a Cary Grant. Grant logo imaginou-se no papel principal, e a produtora de Hempstead comprou os direitos do filme em abril de 1944. Mas esse sucesso da noite para o dia não duraria: The Greatest Gift provou ser muito problemático para se transformar em um roteiro de sucesso, apesar dos esforços de vários roteiristas. Passado um tempo, num certo dia de 1945, Charles Koerner chega ao recém inaugurado Liberty Films − que Capra fundara com dois outros gigantes da época: William Wyler e George Stevens, para continuar a manter ‘o nome acima do título’ − com as meia dúzia de páginas datilografadas, contendo o roteiro que Dalton Trumbo extraíra do conto de Stern. Rápido e rasteiro, Capra abocanhou os direitos por US$10 mil e operou sua mágica: mudando seu nome para It´s a Wonderful Life. 

Sua inspiradora mensagem misturava realidade com fantasia, ao narrar a história sobre um homem bom, desesperado à beira da ruína e um anjo pouco inteligente, que para ganhar suas asas, esperadas à mais de 200 anos, foi incumbido pelo Altíssimo com a difícil missão de ajuda-lo a desistir de cometer suicídio. Após ler o conto Capra exclamou: “Era a história que procurava por toda a minha vida. Uma cidadezinha. Um homem. Um homem bom, ambicioso. Mas tão preocupado em ajudar os outros, que perdia as oportunidades na vida. Um dia, perdeu a coragem. Desejava nunca ter nascido. E esse desejo o satisfazia. Meu Deus, que história! O gênero de história que fará as pessoas exclamarem quando eu for velho e estiver para morrer: foi ele quem fez A Felicidade Não Se Compra”. 


Capa da minha edição pessoal.
Danny Peary, escritor e roteirista − na sua obra ‘Cult Movies 1, 2 & 3’, publicada nos anos 80, aborda 200 clássicos, que compõem o trio e tornaram-se guias indispensáveis para o mundo do cinema − afirma acreditar que qualquer lista que se preze incluiria o filme de Capra entre os mais populares filmes americanos de sempre, ao lado de O Mágico de Oz e ... E o Vento Levou, ambos de 1939; de Casablanca (1942), de A Noviça Rebelde (1965), ou de Guerra nas Estrelas, de 1977. O objetivo dos livros, ao que parece, era não só rever os filmes mas também rever seus respectivos ‘cults’. Seus artigos dão a seus leitores uma compreensão exata do que tornava cada um deles especial. Peary não selecionou todos esses filmes apenas porque necessariamente os amava, gostava ou até os respeitava. Pois, de fato, há alguns para os quais seus textos revelam até certa antipatia. Os filmes foram escolhidos porque na época em que os livros foram concebidos já haviam vários filmes há muito estabelecidos como ‘cults’. alguns como grandes, outros relativamente pequenos. Segundo ele não pode haver recomendação maior de um livro seu, que um cinéfilo dizer a outro que ele é obrigatório. Como qualquer lista de críticas, nenhuma é infalível, eu posso não concordar com cada visão de Peary sobre um filme, mas sou obrigado a reconhecer seu talento para escrever e tenho um profundo respeito por suas opiniões. Ainda não assisti a todos os 200 filmes −  embora não esteja muito longe de consegui-lo −, mas sei que volumes como esses e outros livros que possuo foram cruciais para a forma como hoje aprecio o cinema. Tão logo acabara de ler a história, Capra tratou de comprar imediatamente os direitos, mas encarregou o casal Albert Hackett e Frances Goodrich − que depois escreveriam musicais como O Pirata, Desfile de Páscoa e Idílio para Todos, de 1948; Procura-se uma Estrela, de 1953 e o ótimo Sete Noivas para Sete Irmãos, de 1954 − de reescrever a história. Para dar vida ao protagonista escolheu o único ator que podia fazer aquele papel: o magistral e lendário James Stewart, um dos ícones do cinema. E rodou seu filme em apenas quatro meses, entre abril e agosto de 46, ‘num frenesi ininterrupto. Quando o concluiu estava firmemente convencido de ter feito o melhor filme que já tinha feito e disse:

"É o melhor filme que fiz. Atrevo-me a dizer que é o melhor filme de todos os tempos. Eu não o fiz para críticos intelectuais, chatos ou pedantes. O fiz para pessoas simples como eu, pessoas que talvez tivessem perdido o marido, ou pai, ou um filho. Para pessoas que estavam prestes a perder a esperança de sonhar, e tive que lhes dizer que nenhum homem é um fracasso".
Capra é considerado um dos primeiros grandes cineastas americanos. Apesar de sua origem italiana, suas obras refletiam, como poucas, o espírito da sociedade americana. Suas histórias tinham como fonte de inspiração sempre um texto simples. Seus roteiros, sempre bem elaborados, carregam uma mensagem explícita sobre sua época. Capra realizou produções que não só causaram um impacto positivo num momento crítico do país, como foi capaz de torna-las universais e estabelecer sua trajetória como parte importante da história cinematográfica.

A 'magnum opus' de um otimista
A alegria de fazer o bem é a única felicidade verdadeira. - Leon Tolstoi. 

Capra participou de todas as principais etapas do filme:

financiou, produziu, ajudou no roteiro e dirigiu
A Felicidade não Se Compra pertence à fase final da filmografia de Frank Capra, e transformou-se em um de seus mais celebrados filmes, tanto pela mensagem universal que passa, quanto pelo prestigio que o diretor já detinha quando o produziu. No momento que o produziram, tanto a América quanto o mundo estavam passando por grandes transformações. Talvez por isso, não faltou quem dissesse que Capra estava se tornando cada vez menos parecido com Frank Capra, como também quem escrevesse que “a história era tão piegas, que beirava o infantilismo”. Bosley Crowther chegou a chama-lo no ‘New York Times’ de “um repertório de banalidades melodramáticas”. Seu fracasso nas bilheterias causou ao Liberty Films um prejuízo US$525 mil, que deixou seus direitos autorais caducarem. Isso significava que, nos anos 70, havia um grande filme de Capra disponível para que as redes de TV americanas pudessem exibir gratuitamente - como uma dádiva do Senhor, durante as férias de Natal. Mas nem todos foram cruéis com o filme de Capra, alguns críticos foram até calorosos. Também da Academia recebeu um tratamento à sua altura – seus produtores alteraram sua data de lançamento de janeiro de 1947 para dezembro de 1946, a fim de torná-lo elegível para a disputa −, ao ser indicado por Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Stewart), Melhor Edição e Melhor Som, cinco ao todo. Mas se o filme ainda valeu a Capra a sua sétima e última indicação ao Oscar, perdeu justamente a favor de outra produção do seu próprio estúdio, a Liberty Films: Os Melhores Anos de Nossa Vida, dirigida por seu sócio Wyler. Frank Capra ainda realizou mais meia dúzia de bons filmes, mas o seu inconfundível ‘master touch’ havia chegado ao final com esse fantástico trabalho. Nunca mais houve um Capra assim.  

Nesse trabalho, seu enorme talento permitiu-lhe acumular as funções de diretor, produtor, corroteirista e ainda dar pitacos na edição, apesar de considerar que William ‘Bill’ Hornbeck, sem dúvida, o maior editor de filmes na história do cinema. Capra tinha um estilo muito peculiar de fazer filmes. Estilo que, normalmente, o levava a narrava suas histórias como se fossem fábulas, e sempre com um ensinamento moral de caráter instrutivo no final. No caso de A Felicidade Não Se Compra, ele encerra sua fábula com a frase “nenhum homem é um fracasso quando tem amigos”. Explorando com sensibilidade as complexas facetas das relações humanas como os vínculos que os indivíduos mantêm entre si no seio de um microcosmos, a pequena Bedford Falls. Para obter o efeito desejado, Capra aproveita com brilhantismo o fato de sua história se passar no Natal, um momento de reflexão, para explorar com rara perfeição, e a seu favor, o lado emotivo do expectador arrebatando-o com uma história sobre a condição humana. Capra nos mostra como essa condição diz respeito às formas de vida que impomos a nós mesmos para sobrevivermos e tendem a suprir a nossa existência. E elas variam de acordo com o lugar e o momento histórico do qual somos parte, o que fica evidente com o exemplo de George, seu personagem.  

Os roteiros desse grande cineasta sempre enalteciam o otimismo, pois sua crença era ver um mundo onde qualquer um poderia vencer na vida. Portanto, mesmo que seus personagens enfrentassem alguma perda e sofrimento, e a maioria enfrentava, no final conseguiam obter sucesso. Para uma época na qual a sociedade americana, desolada, recém-saída de uma conturbada guerra mundial e ainda sofrendo seus nefastos efeitos, o cinema era um bom entretenimento e forma de escapismo. Principalmente, quando seus filmes continham uma abordagem positiva, motivacional e promovendo uma visão de esperança frente às dificuldades da vida. 

A Felicidade Não Se Compra escancara de forma inequívoca sua temática preferida, ou seja, a do homem idealizado tendo como pano de fundo a crença na humanidade, mesmo que enfrentando, como já mencionado, momentos de muitas dificuldades. O filme consegue ser ao mesmo tempo sombrio, melodramático e encantador conto do pós-guerra. Uma das muitas qualidades desse longa imortal é sua poderosa capacidade de incitar à reflexão sobre o verdadeiro sentido da vida, o que passamos através dela e qual é o nosso verdadeiro conceito de felicidade. Esse fato, por si só, já o torna diferenciado, imprescindível e obrigatório. É o tipo de filme para toda a família e se para ver pela vida inteira. Em especial para aqueles que, como eu, esquecem facilmente, pois, como disse Nietzsche, “A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez”. Infelizmente, é provável que muitos terão dificuldade de entende-lo de imediato, devido a sutileza e dimensão de sua mensagem. 

Vale registrar, que na época de seu lançamento a crítica foi meio cética com ele. Os comentários desfavoráveis foram de início atribuídos à leveza de sua trama, quando comparada as narrativas anteriores. Mas o tempo é sábio. Se deixa perguntas, mostra respostas, esclarece dúvidas, ele, acima de tudo, traz verdades. Transformou-o em motivo de reverência, colocando-o merecidamente no panteão dos grandes filmes de todos os tempos. Sua produção em parceira com Samuel J. Briskin, um dos grandes produtores da Era de Ouro do cinema americano, foi o primeiro lançamento da Liberty Films. Capra consegue resumir brilhantemente com essa obra sua crença na máxima ‘faça o bem sem olhar a quem’, e assim em um possível mundo melhor. 

No escritório do pai.
Já em sua infância George dedicava-se a ajudar seu semelhante e à sua família. Há tempos cultiva planos de viajar e realizar grandes proezas. Não pensa de forma alguma em abrir mão desse sonho para seguir a carreira de banqueiro do pai. Porém, ele desconfia que sua vida − maravilhosa e verdadeiramente rica, mesmo que monótona, é de natureza sombria devido às muitas dificuldades, contratempos e provações que lhe são impostas. À primeira vista, ele deixa a impressão de ser ingênuo e um fracassado. Entretanto, contrariamente a outros personagens de Capra como o João ninguém de Adorável Vagabundo (1941), ou o sr. Smith de A Mulher Faz o Homem, está longe de se encaixar nesse estereótipo. Escolhe agir como tal, talvez apenas com estratégia de vida. Poderia, e facilmente conseguiria, obter sucesso fora dos limites da pequena cidade de Bedford Falls. Um lugar onde possui muitos amigos que gostam sinceramente dele. Seu relacionamento com a família é ótimo. Adora os quatro filhos e sua esposa Mary Hatch – Donna Reed – aquele tipo de esposa que todo homem sonha levar ao altar − , razão de sua existência. Existência sem grandes emoções, é verdade, mas rica de muito amor. George trabalha na associação imobiliária, uma espécie de banco de poupança e empréstimos criado por seu pai. Ele está prestes a entrar em colapso devido aos atritos causados pelas constantes e malévolas maquinações de um banqueiro de natureza egoísta, cruel, ganancioso como também o homem mais rico da região. Seu nome é Henry Potter – Lionel Barrymore – em outro ótimo desempenho do elenco.  O sr. Potter tem planos de dominar a cidade. Maquiavélico, quase consegue torna-lo bem-sucedido, quando tenta obter o controle financeiro da empresa dos Bailey. O que colidiria frontalmente com a visão de George (leia-se ‘alter ego’ de Capra), pois corromperia as instituições e as relações, formando indivíduos egoístas, calculistas e exageradamente ambiciosos. Capra constrói com George um personagem diametralmente oposto ao ganancioso Potter, em termos d ideias e moral. Mesmo trabalhando no setor financeiro, George Bailey não abdica do interesse em ajudar as pessoas, sem precisar humilhá-las ou que se sintam ameaçadas diante das relações típicas dos acordos financeiros. 

Com a inesperada morte de seu pai, seu bom coração e alto senso de responsabilidade o impede novamente de colocar seus interesses acima dos demais. Obrigando-o, portanto, a assumir os negócios da família e renegar os sonhos que acalenta há muito. Apesar de construir o tipo 'bom sujeito', muito comum no cinema, Capra, lançando mão de seu talento e rara sensibilidade não deixa o personagem descambar para esse estereotipo. George simboliza o cidadão comum dedicado a família, que não admite agir fora da ética, que pratica o bem e que se sente injustiçado ao ver que não obteve da vida a merecida recompensa. É esse inconformismo que aos poucos vai minando seu espírito e acabando por envolver seu nobre coração com um ódio justificado. 

Mas a coisa se complica mesmo quando, certo dia, seu tio Billy – Thomas Mitchell, perde uma grande quantia e coloca a vida de todos em risco. O incidente faz George acreditar que, por mais que faça, tudo parece ter sido em vão, insuficiente, como o abandono dos sonhos de juventude à procura de fama e fortuna. Além de tudo, assiste a seu melhor amigo ascender financeiramente e seu irmão fazer carreira como militar. E uma carreira tão bem-sucedida, que o levou a receber uma condecoração das mãos do próprio presidente, enquanto ele permanecia preso à sua pequena Bedford Falls. E para piorar encontra-se agora frente a frente com a ameaça da ruína financeira e prisão iminente. Esse último baque faz George sentir-se cansado, impotente e humilhado. Sua luta parece-lhe definitivamente perdida e está prestes a entregar os pontos. O sumiço da grana, levando-os à falência prejudicaria a população menos favorecida da cidade, que depende do banco. A possibilidade de cair na miséria significa um verdadeiro terror na vida desse homem honrado. Não só pelo que a perda representa para quem acreditou nos Bailey, depositando suas economias no banco, como também pela ameaça ao bem-estar da família que tanto ama. A devastadora notícia surgiu na véspera de Natal, momento que deveria ser de comemorações. Transtornado após uma briga com a esposa, bêbado e desorientado, ele sai a esmo pelas ruas da cidade. No auge de seu desespero, preocupado em não deixar sua família na miséria, acha que o dinheiro do seguro de vida é a solução. Chega então ao parapeito de uma ponte e passa a pensar seriamente em se jogar, dando cabo da vida como única forma para evitar o escândalo e não ver sua família na miséria. 


Clarence persuadindo para ganhar suas asas.
A integridade moral e rígida postura ética dos Bailey foi a razão dos cidadãos necessitados de Bedford Falls confiassem em seu pai, depositando no banco as parcas economias conseguidas a duras penas. George só não contava com o maior dos percalços: o sumiço da grana. Sumiço, que teve por trás as maquinações e constantes investidas do rival e amargo sr. Potter, ávido por explorar as mesmas pessoas que George protege. E o incidente acabará por levá-lo a uma sequência de insuportáveis aborrecimentos. Ao longo de sua vida, regido por seu idealismo e auto sacrifício, já havia enfrentado muitas dificuldades para manter a pequena comunidade unida. Foram tantos os que receberam sua ajuda e que agora oram fervorosamente por ele, que um grande clamor chega aos ouvidos do Senhor. Surge, então, uma intervenção Divina a seu favor. Clarence – Henry Travers, um anjo de segunda classe, pouca inteligência e que espera sua promoção por mais de dois séculos, é incumbido com a tarefa de descer à Terra para tentar convencê-lo a desistir da ideia do suicídio e assim, finalmente, ganhar suas asas. E não é que num momento de rara lucidez, Clarence mostra a um George abatido, frustrado e melancólico, através de ‘flashbacks’, como seria a cidade se ele não tivesse existido. Genial!!! Ele vê Bedford Falls renomeada como Pottersville e transformada em um inferno sombrio, sob o controle do cruel magnata; o cinema, que nessa noite de Natal exibe o filme Os Sinos de Santa Maria, foi transformado em bordel; sua amiga Violet – Gloria Grahame, presa pela polícia de costumes e a ‘Main Street’, repleta de letreiros de neon, foi transformada em palco de malandragem. Essa visão assustadora torna-se um pesadelo e o traz de volta á realidade. 

A visão de uma Bedford Falls sem sua existência definitivamente pareceu-lhe tão aterradora, que decide retornar imediatamente a realidade com a fé e confiança de antes na própria vida. Além de salvo pelo anjo, que finalmente ganha suas asas, o banco é providencialmente abastecido financeiramente pelos amigos. George, então, canta ‘Feliz Natal’ com todo mundo, transformando a cena em uma das mais tocantes do cinema. Espero que após vê-lo ninguém mais diga, como George, a besteira que “era melhor não ter nascido”. E por mais petrificado que um coração possa ser, ouso duvidar que consiga impedir de rolar ao menos uma lágrima no seu ‘tear-jerking finale’. 

George Bailey pode ter decidido terminar tudo na véspera de Natal, mas Capra sempre pensou no filme em termos mais amplos. Falando ao The Wall Street Journal em 1984, ele disse: "Eu nem sequer pensei nisso como uma história de Natal quando a encontrei pela primeira vez. Eu apenas gostei da ideia".

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